Adalberto Lassance
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AS VERDADES E OS MITOS DA
INCLUSÃO DE DEFICIENTES
NA COMUNIDADE:
UMA
MENSAGEM DE PROTESTO
PARA REFLEXÃO
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Caldas Novas, GO, fevereiro de 2009
AS VERDADES E MITOS DA INCLUSÃO DE DEFICIENTES NA COMUNIDADE: UMA
MENSAGEM DE PROTESTO PARA REFLEXÃO
Adalberto Lassance (¹)
Assisti no Canal 7 (TV Escola) – emissora do Ministério da Educação – um debate sobre INCLUSÃO DE ALUNOS DEFICIENTES NAS ESCOLAS E CLASSES REGULARES. Aliás, um debate unilateral entre convidados diversos, porém sem a presença de deficientes (que eles “dizem” querer incluir) ou de seus familiares.
Esse tema não é novo e nem a sua discussão é novidade. Na década de 70, nosso filho – portador de deficiência mental – frequentou durante algum tempo classes regulares nas escolas das Super Quadras Sul 304, 308 e 314, em Brasília, Distrito Federal.
As cenas descritas a seguir se repetiram em todas essas escolas: no ato de admissão do aluno deficiente e no início foram só “flores”; pelo discurso da diretora, pelo compromisso da professora, tudo seria um “mar de rosas”. Mas, esse namoro durou pouco. Em curto espaço de tempo nosso filho estava sentado nas últimas filas ou num canto qualquer.
Sem aproveitamento, sem incentivo, sem apoio, triste, infeliz. Sem entrosamento com a professora, sem integração e sem uma efetiva INCLUSÃO com seus colegas de classe.
Assim, além dos prejuízos no aprendizado, surgiram outros problemas que resultaram na sua evasão escolar. Cadê, onde está essa inclusão tão alardeada por aqueles que ainda não passaram por este problema?
REALIDADE DE ONTEM,
A MESMA DE HOJE
Os motivos sempre foram (e continuam sendo) os mesmos, isto é, a professora e a escola tem uma meta a cumprir na educação regular de seus alunos ditos normais. Se houver atraso no aprendizado da classe, a professora sente medo de ser responsabi-lizada e taxada como incompetente.
Por essas razões a presença de um ou mais deficientes na classe, prejudica o trabalho da professora e compromete o seu desempenho junto à direção da escola e da Secretaria de Educação.
Para o aluno deficiente, entretanto, o problema é ainda mais grave. Portador de uma acentuada e
notória sensibilidade, o tratamento desigual e o
preconceito do qual é vítima, faz com que ele se feche cada vez mais, tolhendo sua evolução cognitiva e o seu desempenho social e afetivo.
Esta é uma radiografia sucinta, mas real e fidedigna do problema de um aluno portador de deficiência, sobretudo de deficiência mental.
Os fatos retroagem à década de 70, porém essa prática continua até hoje. Essa realidade foi acompanhada na telenovela da Globo – “Páginas da Vida” – ao enfocar a discriminação contra a perso-nagem “Clara”, uma menina com “Síndrome de Down”. Assim, passados mais de trinta e oito anos, o problema certamente ainda continua o mesmo. O preconceito ainda se encontra muito vivo.
INCLUSÃO E DIVERSIDADE
VERDADE VERDADEIRA?
INCLUSÃO e DIVERSIDADE voltaram recen-temente a ser objeto de discussões, mas
descambaram, porém, para um terreno meramente (ou predominantemente) político e ideológico, em detrimento do maior e verdadeiro interesse da pessoa com deficiência e de seus familiares.
Afinal, aqui cabem várias reflexões: – “a inclusão resolve o problema da diversidade? – “na verdade isso é o melhor para eles e eles foram consultados?” – “entes desiguais podem ser tratados de forma igual?” – entre os desiguais existe igualdade?” – “e, na sua diferença, eles são iguais entre si?
Ou seja, a sua inclusão e a sua diversidade devem se vistas e entendidas sob o prisma da eficiência e da eficácia, no trabalho de recuperação e na integração do deficiente na sociedade, respeitando-se a sua integralidade como ser humano e cidadão.
As autoridades federais buscam a inclusão e tratam a diversidade no campo teórico (político, ideológico e acadêmico). Enquanto isso as instituições especializadas – ora apontadas como segregadoras – trabalham exaustivamente e com muito AMOR para que essa inclusão e o trato dessa diversidade, se concretizem dentro de ambientes adequados e propícios ao desenvolvimento educacional e profissional, plenamente adaptados às condições emocionais e de sociabilização das pessoas com deficiência.
TEORIA VERSUS REALIDADE
O Ministério Público Federal, por intermédio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, editou em setembro de 2004 a publicação intitulada “O ACESSO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA ÀS ESCOLAS E CLASSES COMUNS DA REDE REGULAR”, onde tenta convencer a sociedade de que a atual clientela do ensino especial (tanto em instituições especializadas públicas como nas particulares), seja “transferida para as escolas e classes comuns da rede regular...”
Tudo isso em nome da inclusão e em defesa da diversidade das pessoas deficientes. As intenções são bonitas, meritórias e factíveis no campo da teoria política, ideológica e acadêmica, mas inexeqüíveis na prática, no momento atual vivido pelo País.
Há, ainda, um risco latente nessa iniciativa do Ministério Público Federal e que mais uma lei seja gerada neste País, ditada de cima para baixo, e ainda por cima inconstitucional, sem a participação e sem um debate democrático mais interativo com a comunidade realmente envolvida no problema.
AS ENTIDADES ESPECIALIZADAS
E A INCLUSÃO
É irresponsável e até mesmo difamatório e criminoso, atribuir às instituições especializadas a prática e a pecha de segregadoras. Afinal, há mais de oitenta e dois anos como as Pestalozzi e há mais de cinquenta como as APAE, essas entidades trabalham com AMOR e dedicação em prol das pessoas deficientes, em regime de voluntariado. Supriram durante todas essas décadas a ausência do Estado na atenção mais efetiva ao deficiente. Souberam achar o rumo certo para as crianças, jovens e adultos deficientes.
Espalhadas por todo o Brasil cumprem com eficiência e honradez o seu papel social, em especial com as comunidades carentes, e perduram nesses últimos oitenta e dois anos de Pestalozzi e mais de cinqüenta de APAE. Isso pode ser descartado?
Embora insuficientes, não se pode esquecer ainda das escolas especiais espalhadas pelo País, pertencentes à rede pública, onde se dá um atendimento especializado e humanitário às crianças, adolescentes e idosos com deficiência.
Mas, os teóricos e burocratas de plantão – não se sabem por quais razões – resolvem mexer em times que estão ganhando, mesmo que eles tenham, como é o caso, a plena aprovação da sociedade. Pestalozzi e APAE, como as escolas especializadas do Governo, são entidades de referência e respeitados no País inteiro.
Apesar disso, como num passe de mágica, querem jogar tudo por terra e dar “o acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular”.
Nessa sanha injustificável, promovida por pes-soas sem conhecimento vivencial na lide com os deficientes, se rebelam até mesmo em relação à Constituição Federal de 1988 e querem mudá-la. São apenas três as autoras da publicação citada. Mas fazem referência a um reduzido “grupo de estudos” de mais cinco integrantes, que, com todo o respeito, não podem decidir pelo destino e pela vida de 24,5 milhões de deficientes (Censo de 2000).
Fazem a sua interpretação – que entendemos errônea – apenas sob o prisma da jurisprudência que interpretam sob seu ponto de vista pessoal e de uma visão teórica e acadêmica da pedagogia aplicada ao Ensino Especial, sem que eles tenham, de nosso conhecimento, uma experiência maior com o trato ao deficiente.
Querem também mudar as leis ordinárias na parte referente ao Ensino Especial que, em obediência à Constituição Federal a regulamentam, mas que contrariam as suas opiniões e interpre-tações pessoais eivadas de conteúdo político e ideológico, em prol de uma cidadania a ser conse-guida mediante a inclusão e em defesa de uma diversidade, empurradas de cima para baixo numa imposição autoritária que os dirigentes atuais tanto combateram no passado.
Evidentemente que sob os aspectos psicoló-gicos, filosóficos, sociológicos e até mesmo políticos, essa inclusão é salutar e meritória. Ninguém – mais do que os pais e os técnicos das instituições especi-alizadas – sonham com a inclusão de seus filhos e alunos entre as pessoas ditas normais. Aliás, mais do que tudo TRABALHAM e LUTAM diuturnamente por isso.
ANALFABETO FUNCIONAL
Mas, por que insistir tanto na inclusão do deficiente mental por intermédio da educação? Uma pessoa com retardamento mental tem uma dificuldade cognitiva na maioria das vezes ainda insuperável. Assim, o que adianta frequentar uma escola regular e receber um certificado de conclusão sem aprovei-tamento e sem merecimento, tão a gosto de dirigen-tes educacionais de hoje, transformando-o em mais um analfabeto funcional?
A mídia independente tem mostrado esse quadro repetidamente até no meio de alunos normais, aparentemente sem nenhuma deficiência física ou mental. Imagine-se então como seria no meio de alunos deficientes. Além disso, as suas limitações continuarão e eles não poderão passar a vida inteira em processo de escolarização.
EDUCAÇÃO & TRABALHO
A atividade educacional para o deficiente mental deve se voltar objetivamente direcionada para o mercado competitivo de trabalho. Isto também é se fazer a inclusão!
Está sobejamente provado nas instituições aludidas que esse binômio – educação & trabalho –
tem sido bem sucedido, quando o tempo e a meto -
dologia são adequados às limitações do deficiente e se faz um trabalho individual com cada um deles, até se descobrir o seu potencial e sua vocação. Os programas de treinamento e o desempenho deles decorrente tem sido predominantemente bem sucedi-dos e animadores nas Oficinas de Capacitação e Produção.
Nas instituições especializadas, quando o grau de comprometimento mental não permite sua preparação educacional e profissional para o mercado competitivo de trabalho, elas oferecem as Oficinas Terapêuticas, uma solução salutar e adequada para os deficientes mentais mais comprometidos.
Pergunta-se: a rede regular está preparada para esse tipo de ação? As inúmeras oficinas voltadas para a capacitação adequada dos deficientes, inclusive os laboratórios de informática, com profes-sores especializados, estarão disponíveis na rede regular? E os professores estarão preparados para esse tipo de treinamento, inclusive sob o ponto de vista psicológico e de especialização profissional?
Deve-se ressaltar que num país onde a educação e a saúde são sempre relegadas a um segundo plano (na contramão da publicidade institucional), onde os médicos e professores são mal remunerados e, muitas vezes sem chance de aperfeiçoamento em suas respectivas áreas de atuação, esse sonho ainda é inteiramente utópico no panorama atual do País.
UMA REALIDADE VIVA HÁ 38 ANOS
A Editora Sono-Viso do Brasil editou em 1970 uma publicação e um vídeo intitulados ”O Excepcional e o Trabalho”, com o objetivo de sensibilizar e orientar a comunidade e os seus responsáveis, para programas referentes às pessoas com deficiência, na época conhecidos como “excepcionais”.
Essa publicação situa de modo positivo e em linguagem simples o problema das pessoas com deficiência na comunidade, localiza suas causas e sugere iniciativas no trabalho preventivo e profilático. Destaca, entre outras informações, que o deficiente mental, conforme o grau de retardamento, pode ser educável, treinável ou totalmente dependente. Porém, mesmo educável, ele continuará quase sempre com inúmeras limitações.
Exceto a denominação “excepcional” a realidade de trinta e oito anos atrás é a mesma de hoje. Por isto mesmo entra em conflito com a proposta de inclusão apregoada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão que nos merece todo respeito, porém não conhecemos dele uma participação mais efetiva ou experiência conhecida na atenção especializada aos deficientes.
Aliás, a referida Procuradoria, antes de tomar essa iniciativa, deveria ter consultado a comunidade interessada, promovido uma ampla divulgação e um intenso debate sobre um assunto tão sério cujas mudanças implicarão na mudança de vida de mais de 24 milhões de brasileiros.
Por isso mesmo, esse órgão tem obrigação de dialogar e ouvir a opinião dos deficientes e de seus familiares e debater até a exaustão um problema tão sério e que prejudicará mais de 2 mil instituições especializadas e a sua clientela em todo o País. E ainda lembrar-se que os deficientes também são cidadãos brasileiros e merecem ser ouvidos e acatados. Afinal, não é esse um Direito de cidadania? Portanto, entendemos que essa proposta de inclusão da forma que está sendo conduzida é, ainda, uma completa quimera em nosso contexto atual e fora da nossa realidade institucional de hoje.
AS MAZELAS DO DEFICIENTE
Já falamos dos problemas dos médicos e professores. Mas, pior do que isso, a situação ainda é mais grave com relação ao preconceito exacerbado de muitos pais que não admitem o convívio de seu filho “normal” na mesma sala de aula ou no mesmo colégio junto com deficientes. Eles pressionam os professores e a direção dos colégios e influenciam outros pais na discriminação ao deficiente.
As cenas apresentadas na saudosa novela da TV Globo“Páginas da Vida” não são mera ficção do autor.
Elas retratam uma realidade nua e crua do cotidiano. O preconceito, o despreparo e, principalmente, a falta de AMOR e de solidariedade que são fruto do egoísmo e da ignorância tão arraigados na socie-dade moderna – são também uma prova patente de que será necessária mais de uma geração para que se mude esse panorama infeliz.
MUDANÇAS SIM, AUTORITARISMO NÃO !
É claro que o começo dessa mudança tem que ocorrer algum dia e quanto mais cedo melhor, mas, sem açodamento, sem decisões autoritárias, incons-titucionais e antidemocráticas de uns poucos, que se sobreponham aos direitos do cidadão deficiente e de seus familiares (também cidadãos) na busca do melhor para eles. E sem a imposição de autoridades e burocratas muitas vezes vestidos em suas teorias acadêmicas, políticas e ideológicas, mas despidos de uma prática de vida que lhes dê o verdadeiro conhecimento da pessoa com deficiência.
Mas, acima de tudo, é inadiável um debate democrático com toda a comunidade envolvida nesse problema, ela sim, muito mais capacitada para opinar e dar as soluções mais condizentes num assunto de tamanha magnitude.
Quando se assistiu na TV a “Doutora Helena”
– mãe adotiva de “Clara” – defender insistentemente a inclusão da menina num colégio regular, é lícito questionar se ela não estaria seguindo apenas o seu orgulho e a vaidade de mãe. Afinal, ao insistir que sua filha convivesse com colegas normais, ela teve, com uma única exceção, inúmeros exemplos da discrimi-nação que sua filha sofreu.
Então, ela não estaria sendo egoísta? Será que para “Clara” essa discriminação e essa humilhação, não foram ainda mais dolorosas e até mesmo mais traumáticas?
Num colégio especial, o deficiente não será “diferente” mas igual aos outros colegas. Portanto, onde estaria a tal exclusão proclamada irresponsa-velmente por alguns?
UM APELO PATÉTICO MAS NECESSÁRIO
Façamos um apelo – até mesmo patético – aos inovadores dessa causa inglória para que visitem, participem por uns dias do trabalho de uma Pestalozzi, de uma APAE, de uma Escola pública especial. Vejam, sintam a solidariedade, a alegria espontânea e a felicidade dos alunos com deficiência. Lá eles se sentem realmente IGUAIS, INCLUSOS, FELIZES ! Perguntem se eles querem sair de lá!...
O deficiente é, sem dúvida, um ser incomum, extraordinário. Afinal, com tantas limitações e deficiências, ele consegue se superar e ser uma pessoa EXCEPCIONAL, como é descrito na poesia (²) seguinte:
É EXCEPCIONAL
ouvir um Down,
as melodias tirar
de um instrumento musical.
É EXCEPCIONAL
no toque de um tambor,
ouvir um deficiente mental
o ritmo assinalar.
É EXCEPCIONAL
na cadência do tarol,
um deficiente físico
fazer a marcação.
É EXCEPCIONAL,
dos tambores ouvir o rufar vibrante
ou os pratos altissonantes
soarem certos no compasso.
É EXCEPCIONAL
um deficiente, mais que isso, eficiente,
o Hino Nacional cantar corretamente,
enquanto os ditos “normais” se calam,
porquê não sabem cantá-lo.
Pelo nome próprio todos se conhecem
e os amigos com afinidade se escolhem.
Brincam, trabalham felizes, sentimento puro,
ainda que seja em corpo adulto.
Se apertam, se abraçam e é claro, se beijam;
gingam, deslizam, pulam, felizes balançam,
no ritmo da música, nos volteios da dança.
São anjos, são santos,
porquanto são bentos,
pela Luz cintilante do AMOR!
O AUTOR:
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(¹) Adalberto Lassance de Albuquerque foi fundador e Presidente da ASSIM – Associação dos Amigos da Saúde Mental em 1988, agraciado com a Medalha do Mérito da Saúde Henrique Bandeira de Melo, pelos relevantes serviços prestados ao progresso e desenvolvimento do Sistema de Saúde no Distrito Federal.
Foi membro da Diretoria da AMPARE, membro titular do Conselho Fiscal, Presidente do Conselho de Administração e Coordenador de Prevenção da APAE/DF.
Também foi membro titular e Vice-Presidente da 2ª Câmara do Conselho de Assistência Social do Distrito Federal - CAS/DF.
Atualmente é Diretor Financeiro da Pestalozzi de Caldas Novas e membro titular do Conselho Municipal de Saúde de Caldas Novas no Estado de Goiás.
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(²) Trechos da poesia “É EXCEPCIONAL”,
de Adalberto Lassance, em 15/12/2000.
As Verdades e Mitos da Inclusão de Deficientes na Comunidade:
Uma Mensagem de Protesto Para Reflexão. (2ª versão)
sábado, 21 de fevereiro de 2009
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